Em entrevista à Lusa, que o apresenta como escritor, João Melo defendeu que a contestação faz parte do processo de construção de qualquer país, e Angola não foge a essa regra. Como perito do partido que governa Angola há 49 anos, e ex-ministro escolhido por um presidente não nominalmente eleito, João Lourenço, continua a beneficiar de espaço mediático de quem informa sem fazer jornalismo.
Por Orlando Castro
João Melo afirma que “os países fazem-se assim. Fazem-se de acções de contestação a essas acções de acomodamentos. Os países fazem-se assim”, salientando que se trata de um processo de criação de uma burguesia, “que, no fundo, é idêntica ao processo de formação das burguesias em todos os países”.
“Nós angolanos pensamos, por vezes, que somos especiais. Mas não somos tão especiais, assim. São processos históricos que, dependendo das condições, das circunstâncias, são muito semelhantes a qualquer outro país, contemporâneo ou não”, acrescentou com a perspicácia e eruditismo tão comum aos que, por exemplo, “desconhecem” que Agostinho Neto foi o genocida que mandou assassinar milhares e milhares de angolanos nos massacres de 27 de Maio de 1977.
João Melo apresenta amanhã em Lisboa a sua mais recente criação: “O Acumulador”, oitavo livro de contos – ou estórias, como por vezes se lhes refere — em que questiona a sociedade e a política angolana.
E questionado sobre se Angola está ainda a pagar a factura dos anos de chumbo, em que à dominação colonial portuguesa se seguiu a dominação colonial do MPLA e que resultou numa guerra civil e a agressão externa de apoio aos dois beligerantes (Rússia e Cuba ao MPLA e sul-africanos à UNITA), João Melo – como é seu timbre genético – não tem dúvidas e raramente se engana…
“Isso é inevitável. É óbvio que sim. É óbvio que há sequelas que são herdadas da colonização, sequelas da guerra civil, sequelas da guerra fria de que Angola foi um dos países órfãos, digamos assim, como escreveu a própria representante da ONU em Angola, naqueles anos, [a diplomata britânica] Margaret Anstee [1992-1993]. Mas é óbvio também que isso só não basta para explicar o Estado e a situação actual do país”, considerou.
“Nunca há uma explicação simples para problemas mais complexos. Costuma dizer-se que se um problema complexo tiver uma explicação simples, então não é complexo e Angola é uma situação muito complexa”, frisou. Em rigor, a situação propriamente dita é mesmo muito complexa e mais complexa se torna quando é há 49 anos governada por um partido complexado.
“Jornalista” de formação, João Melo foi deputado MPLA, partido no poder desde a independência do país em 1975, e com a chegada à Presidência de João Lourenço, foi nomeado em 2017 ministro da Comunicação Social, sendo substituído no cargo dois anos depois.
A reacção à demissão deixou-a então nas redes sociais: “Deixei de estar ministro. Vou ser o que de facto sou: jornalista, escritor e professor. Um abraço a todos”.
O abraço chegou, como esperado, apenas a alguns dos “todos”. Quanto a ser jornalista, escritor e professor… é verdade. Se publica em jornais é… jornalista? Se publica em livros é… escritor? Se dá aulas é… professor? Então está bem.
Questionado sobre a avaliação das promessas que João Lourenço fez e que garantiram a vitória para um primeiro mandato presidencial (2017-2022), o ex-ministro escusou-se a comentar. Mal seria, aliás, se (como jornalista que diz ser) tivesse a coragem de criticar, ou só analisar, o desempenho do seu… patrão.
“Se não se incomoda, e tratando-se de uma questão eminentemente política, neste momento a minha posição é – eu sempre fui uma pessoa de intervenção política -, é fazer intervenções políticas primeiro à imprensa angolana. Prefiro, no momento em que eu entender, posicionar-me dentro do meu país”, respondeu. Faz sentido. Quando quiser tem à sua disposição os baluartes de liberdade de imprensa angolana, casos do Jornal de Angola (do MPLA), da TPA (do MPLA), da RNA (do MPLA), da Angop (do MPLA) etc..
Quando foi nomeado ministro da Comunicação Social, João Melo prometeu liberalizar o sector, autorizar mais rádios locais e promover o fim da censura nos diferentes órgãos de imprensa estatais. Entretanto, foi substituído no cargo e o próprio panorama da comunicação social angolana alterou-se com João Lourenço a decretar a troca de seis por meia dúzia…
Estrategicamente instado pela Lusa a comentar se não há o perigo de em Angola passar a haver uma única verdade, inquestionável, João Melo não responde directamente e prefere focar-se na questão da concentração de títulos, justificando que se trata de uma “tendência universal”.
“A imprensa em geral passa por esse risco em todo o mundo. Não só nos países onde é o Estado o principal detentor dos meios de comunicação, mas também naqueles onde é a iniciativa privada a detentora da maior parte dos títulos. Sabe bem que a tendência para a concentração da propriedade na imprensa hoje é evidente, é inegável, mesmo nas democracias mais antigas, mais consolidadas e onde o capitalismo é mais desenvolvido”, disse. “Portanto, é uma questão complexa, mas que não se resume a essa dicotomia entre Estado e iniciativa privada”, adiantou ainda.
Sobre a liberdade de imprensa em Angola, alvo de críticas e avaliação negativas por parte de organizações não-governamentais, bem como da questão das liberdades cívicas, João Melo recusou igualmente fazer comentários.
“Como se sabe, eu fui ministro da Comunicação do Governo do actual Presidente angolano durante dois anos, e entendo que neste momento não me compete a mim, ainda, comentar a situação numa área da qual eu fui responsável. Acho que quer os governantes em exercício, quer os cidadãos, poderão fazê-lo com mais propriedade do que eu”, defendeu.
João Melo lidera ranking do anedotário nacional
Por respeito à verdade e à memória, reproduzo – na íntegra – um artigo aqui publicado no 14 de Julho de 2018 intitulado “João Melo lidera ranking do anedotário nacional”:
«Segundo o ministro da Comunicação Social do MPLA, João Melo, a imprensa pública, em Angola, está obrigada a continuar a desempenhar um papel preponderante durante as próximas décadas. Isto quer dizer que durante as próximas décadas (certamente, como nos últimos 43 anos, sob a égide do MPLA) Angola não será uma verdadeira democracia e um Estado de Direito.
O também “jornalista” e escritor (segundo a Angop, note-se) discursava no Encontro das Empresas Públicas de Comunicação Social da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), organizado pela Direcção Geral de Informação e pela Rádio Televisão de Cabo Verde.
No encontro, esteve igualmente integrada uma conferência sobre a auto-regulamentação da imprensa pública (propriedade do Estado, entenda-se), dedicada ao tema “Importância e limites da Auto-Regulação nos Média Públicos: Equilibrar Direitos e Responsabilidades no contexto da pós-moralidade”.
João Melo justificou a sua previsão com o facto de o empresariado local ser ainda “débil”, apesar de a legislação do sector, aprovada em 2017, ter acabado com todos os monopólios na área de comunicação social. Em Angola, o Estado/MPLA é proprietário assumido dos principais órgãos de comunicação social e, de forma encapotada, de muitos outros. Se isto não é monopólio e concorrência desleal, então acreditemos que os jacarés voam.
Diz João Melo, com inequívoco conhecimento de causa, que salvo uma ou outra excepção, um crescimento exponencial da imprensa privada é uma miragem. E é mesmo. Num país que tem 20 milhões de pobres para uma população de cerca de 29 milhões, que futuro terão todas as actividade que não estejam nas mãos do MPLA? Num país que, desde a independência em 1975, conheceu um só partido a governar e que teve, durante 38 anos, o mesmo presidente (nunca nominalmente eleito), que futuro terão todos aqueles que pensam de forma diferente do MPLA?
Relata a Angop que, numa outra direcção e a título de balanço, o governante disse que, em menos de um ano de governação do presidente João Lourenço, “todos os órgãos públicos não são apenas líderes de audiência em Angola, como contribuíram – além dos actos do próprio Presidente da República, nomeadamente para o combate à corrupção – para a rápida e inequívoca mudança de reputação do país, quer nacional quer internacional”.
Essa de falar de liderança de audiências, bem como do contributo para melhorar a reputação do país, é mais uma tentativa de João Melo colocar as suas teses no pódio do anedotário nacional. Está no bom caminho e já é grande distância dos seus mais directos “adversários”, Luvualu de Carvalho, Bento Kangamba e Adelino de Almeida.
O ministro da Comunicação Social reiterou, na sua comunicação, que o objectivo do sector que dirige é fazer da comunicação social do regime “não apenas os de maior alcance em termos de expansão e audiência, mas, sobretudo, os mais sérios e credíveis do mercado”.
João de Melo vai, aliás, levar a carta a Garcia. Não que os órgãos do MPLA alguma dia sejam os mais sérios e credíveis do mercado. Mas porque, seja por obra e graça do Ministério da Comunicação Social ou da sucursal do MPLA para o sector, a ERCA, Angola tenderá a só ter órgãos do Estado e, portanto, sem concorrência. Aliás é a mesma estratégia seguida pela “democracia made in MPLA”: ter vários partidos mas só um único partido para governar.
“Hoje, a perspectiva é converter os órgãos tutelados pelo Estado em genuínos órgãos públicos, abertos a todos, dando espaço e voz aos diferentes segmentos da sociedade, proporcionando o debate plural e contraditório, etc.”, sublinhou o ministro, certamente convicto de que somos todos matumbos ou simples clones dos dirigentes do MPLA (e do Governo) que – com raras excepções – para contarem até 12 têm de se descalçar.
Como a audiência não era a habitual (caninos autómatos do regime), João Melo apercebeu-se que nem todos estavam a ser ludibriados, por isso sentiu necessidade de maquilhar o seu totalitarismo dizendo que a imprensa pública não deve ser confundida como um mero instrumento do governo. Apesar dessa tentativa, não resistiu a dizer (conforme ordens superiores) que a Imprensa também não pode ser (ora aí está!) anti-governamental.
João Melo, importa reconhecer e relembrar, é alguém que com uma rara perspicácia faz a simbiose perfeita entre um sipaio da era colonial (ao estilo de José Ribeiro) e um mercenário da era marxista do MPLA (tipo Artur Queiroz).
Num artigo publicado no dia 5 de Agosto de 2015 no Jornal de Notícias (Portugal), escreveu que “a prisão, em Luanda, de 15 activistas acusados de prepararem uma sublevação popular de atentado ao Presidente da República está a ser usada como pretexto para reviver, sobretudo em Portugal, as velhas campanhas anti-MPLA do período da guerra civil em Angola, quando a UNITA pagava o salário de numerosos jornalistas, políticos e outras figuras portuguesas, que adoravam as visitas à Jamba”.
João Melo, na velha tradição dogmática do seu partido, reeditava velhas teses, segundo as regras – não menos dogmáticas – do seu “Jornal de Angola” (JA), desde sempre órgão oficial do MPLA, correia de transmissão do regime ditatorial que (des)governa Angola desde 1975.
De facto, no dia 12 de Maio de 2008, o Pravda (como é também conhecido o JA) ameaçou divulgar “as listas dos nomes dos quadrilheiros portugueses capturadas no bunker de Jonas Savimbi no Andulo”. Até hoje não o fez. E também, e mais uma vez, João Melo fala da questão mas não dá o nome aos bois. É pena.
Então, camarada João Melo, como mais vale tarde do que nunca e agora que é ministro, não será esta a melhor altura para divulgar essa lista de “jornalistas, políticos e outras figuras portuguesas”? Não será altura de pôr tudo em pratos limpos?
Continuamos à espera das listas de quadrilheiros portugueses e, já agora, também da imensa listagem dos oficiais das FAPLA e depois das FAA que trabalhavam para Savimbi, assim como dos políticos do MPLA, alguns com altos cargos nos diferentes governos e que também eram assalariados do líder da UNITA, e ainda dos jornalistas (portugueses e angolanos), alguns hoje “ERCAmente” rendidos aos encantos do MPLA, e que também eram amamentados por Savimbi.
Há já muito tempo que o povo angolano vem assistindo ao gingar bamboleante e demagogo de João Melo, uma espécie de Goebbels do MPLA que João Lourenço tanto gosta de ver dançar ao ritmo da sua batuta, vomitando raios e coriscos contra todos os que não servos e escravos do seu patrão.
Este tipo de fuga, ou cobardia psicológica, (agressão deslocada, como explica a psicologia), acontece porque ele tenta, sem sucesso, disfarçar os sofismas e as ambiguidades e contradições do MPLA que parasitam a sociedade angolana, económica e socialmente há 43 anos.»